SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO (1970)

A peça “Sonho de uma Noite de Verão”, de William Shakespeare, foi submetida à análise da censura federal em 1970, com revisões e deliberações que se estenderam até 1980. A obra, considerada um dos maiores clássicos da dramaturgia, enfrentou um processo rigoroso de avaliação devido ao seu conteúdo, que mistura romance, comédia e elementos mitológicos, temas que despertaram preocupações entre os censores no contexto do regime militar.

A primeira solicitação para encenação foi feita pelo Teatro da Província, que pretendia apresentar a peça no Teatro de Câmara utilizando a tradução de Maria da Saudade Cortezão, reconhecida por sua proximidade com o texto original de Shakespeare. Essa proposta inicial deu início a um processo de análise que incluiu múltiplos pareceres, com os censores examinando detalhadamente o enredo e os diálogos.

Os revisores concentraram-se nos aspectos centrais da peça, que explora relacionamentos amorosos e conflitos entre os personagens humanos e míticos. As interações entre Teseu e Hipólita, bem como os desencontros amorosos de Hérmia, Lisandro, Demétrio e Helena, foram discutidas pela censura, que buscava eliminar qualquer traço de interpretação sugestiva ou irreverente. Além disso, a presença de personagens sobrenaturais, como Oberon e Titânia, rei e rainha das fadas, foi alvo de preocupação devido aos simbolismos e referências a tradições míticas, que poderiam ser interpretados como alheios aos valores tradicionais da época.

A censura destacou a necessidade de ajustes na linguagem, especialmente em diálogos que abordavam amores não correspondidos, atrações românticas e fascínios entre personagens, elementos centrais da trama. Embora o texto fosse reconhecido como literário e clássico, os revisores exigiram a moderação de qualquer diálogo que pudesse ser entendido como sugestivo ou que confrontasse os padrões morais vigentes.

Apesar de seu reconhecimento como obra-prima de Shakespeare, “Sonho de uma Noite de Verão” foi submetida a múltiplos pedidos de revisão ao longo do processo. Os censores manifestaram preocupação com o impacto potencial de cenas específicas, especialmente em relação ao público jovem, e emitiram aprovações temporárias condicionadas à implementação de cortes e alterações no texto. Essa situação reflete o constante conflito entre preservar a integridade do material original e atender às demandas de controle moral e político da época.

Ao final do processo, a peça foi liberada com condições. Cada nova montagem ou apresentação deveria solicitar uma renovação da licença, garantindo que eventuais mudanças de tradução ou ajustes no roteiro fossem previamente analisados pela censura. Essa exigência ilustra o cuidado com que a peça foi monitorada, mesmo sendo um clássico universalmente reconhecido.

O caso de “Sonho de uma Noite de Verão” demonstra o rígido controle cultural exercido pelo regime militar, mesmo sobre obras consagradas da literatura mundial. A peça, com sua combinação de mitologia, romance e comédia, foi considerada um desafio aos padrões morais e culturais impostos na época. Apesar das restrições, a obra permaneceu como um testemunho da força do teatro clássico, capaz de superar barreiras ideológicas e continuar a encantar gerações.

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