AUTO DA COBIÇA (1974)

A peça “Auto da Cobiça”, escrita por Altimar Alencar Pimentel, foi submetida a uma série de revisões e pareceres pelo Serviço de Censura Federal, devido ao seu conteúdo culturalmente enraizado e suas temáticas sociais críticas. A narrativa, construída no estilo cordel, apresenta personagens inspirados no folclore nordestino, com destaque para Baltazar, o protagonista que enfrenta a figura do “gigante”, uma metáfora das forças opressoras e da exploração econômica. Embora o tom da peça frequentemente assumisse uma aparência folclórica e regional, as autoridades interpretaram o conteúdo como potencialmente questionador, principalmente em relação às condições socioeconômicas retratadas.

No primeiro parecer, a censura destacou a natureza folclórica e regional da peça, considerando-a uma expressão cultural relevante do nordeste brasileiro. A história de Baltazar e do boi Estrela da Manhã, símbolo de esperança e resistência, foi vista como uma representação do espírito de luta das comunidades locais diante das adversidades econômicas. No entanto, o gigante, figura que encarna a opressão econômica e social, despertou preocupações, pois o seu simbolismo poderia ser interpretado como uma crítica velada às estruturas de poder, algo considerado sensível no contexto político da época. Por conta disso, algumas partes do texto foram solicitadas para modificação ou corte, especialmente aquelas que exploravam de forma mais direta o embate entre as figuras oprimidas e as forças opressoras.

O segundo parecer resultou em uma certificação com restrição etária para menores de 14 anos. Os censores identificaram que algumas cenas possuíam elementos de misticismo e manifestações folclórico-religiosas que poderiam ser consideradas inadequadas para crianças. Trechos que envolviam temas como rituais e representações simbólicas foram vistos como potencialmente perturbadores, especialmente por sua capacidade de evocar sensibilidade religiosa e social no público jovem. Essa restrição refletiu a intenção da censura de proteger audiências mais vulneráveis do impacto emocional e simbólico das cenas apresentadas.

Na sequência, o terceiro parecer autorizou a liberação condicional da peça, com recomendações para a realização de ajustes específicos em diferentes apresentações, especialmente em cidades ou contextos locais onde o conteúdo poderia gerar polêmicas adicionais. As exigências incluíam a remoção ou suavização de trechos considerados mais críticos ou sensíveis, de modo a manter a conformidade com as normas de censura. As autoridades acompanharam o processo com atenção para garantir que a peça não ultrapassasse os limites considerados aceitáveis, mesmo mantendo sua essência folclórica.

Por fim, no quarto parecer, após as revisões e verificações necessárias, “Auto da Cobiça” foi aprovada para o público adulto sem restrições adicionais. A liberação veio com a condição de que as alterações solicitadas fossem mantidas e que o texto revisado e carimbado fosse utilizado como versão oficial para futuras apresentações. Essa medida tinha o objetivo de assegurar que a peça, mesmo reconhecida por seu valor cultural e artístico, permanecesse alinhada com as diretrizes da censura em diferentes regiões do Brasil.

O processo de censura revela uma análise minuciosa de “Auto da Cobiça”, com os censores buscando controlar o impacto das críticas sociais e simbólicas presentes no texto. Embora a obra tenha sido valorizada por sua representação cultural e regional, sua abordagem de temas como opressão econômica, resistência comunitária e manifestações folclórico-religiosas foi tratada com cautela pelo regime.

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