Em 1968, a peça “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes, foi submetida ao Serviço de Censura Federal e recebeu uma interdição inicial devido à sua abordagem crítica de temas religiosos e da atuação da Igreja durante a Inquisição. A narrativa retrata um padre que, motivado por interesses próprios, condena a jovem Branca à fogueira, questionando a justiça e a moralidade religiosa. A censura considerou que, embora o texto possuísse uma ambientação histórica, a crítica velada ao poder eclesiástico poderia ser interpretada como uma provocação ao papel contemporâneo da Igreja, o que era visto como perigoso para o público.
No parecer inicial, os censores destacaram que a linguagem acessível e impactante da peça tornava o conteúdo ainda mais provocador. Essa simplicidade no texto, segundo o parecer, facilitava a identificação e empatia do público com a personagem Branca, que questiona abertamente os dogmas e o papel da moralidade religiosa imposta. Os diálogos críticos, especialmente aqueles em que Branca expressa pensamentos sobre autoridade e hipocrisia clerical, foram considerados uma ameaça, pois poderiam incitar reflexões subversivas sobre os valores religiosos e de poder predominantes.
Para que a peça pudesse ser liberada, a censura solicitou cortes rigorosos em diversos diálogos, com foco em cenas onde Branca questionava o papel da Igreja. Trechos que sugeriam abusos de poder e injustiças cometidas em nome da fé foram classificados como perigosos, exigindo modificações para suavizar a mensagem crítica. A censura argumentou que, mesmo em uma narrativa de caráter histórico, tais elementos poderiam influenciar negativamente o público ao lançar dúvidas sobre figuras religiosas e estruturas de poder.
Após as modificações solicitadas, um novo certificado foi emitido com a condição de exibição apenas para maiores de 18 anos. A censura justificou essa restrição ao afirmar que o conteúdo, ainda que editado, permanecia inadequado para jovens devido ao tom provocador e à crítica implícita às autoridades religiosas. A peça foi, então, liberada sob a exigência de que todas as apresentações utilizassem o texto revisado e carimbado, garantindo o cumprimento das alterações impostas.
Nos anos seguintes, a peça passou por avaliações periódicas, especialmente entre 1969 e 1970, para verificar se os cortes continuavam sendo respeitados. A censura manteve o monitoramento constante, preocupada com o impacto da obra e a possibilidade de que suas mensagens críticas fossem interpretadas de forma subversiva pelo público. As cenas que abordavam temas sensíveis, como a moralidade e a injustiça cometida pela Igreja, continuaram sendo foco de atenção como medida preventiva contra qualquer desvio das normas estabelecidas.
O processo de censura destacou que, embora “O Santo Inquérito” possuísse valor artístico e cultural, seu conteúdo era visto como desestabilizador em um contexto político autoritário. O primeiro parecer propôs a interdição da peça, mas, diante das negociações e das alterações realizadas, a obra foi liberada para um público adulto, com cortes significativos.
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