
1. Submissão e Solicitação de Aprovação
A peça “A Prostituta Respeitosa”, escrita por Jean-Paul Sartre e traduzida para o português por Miroel Silveira, foi submetida ao Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) em 17 de julho de 1968. O pedido de censura foi realizado pelo Grupo de Arte Sociedade Civil Ltda, com o objetivo de obter a certificação necessária para apresentações públicas. O documento menciona que a obra já havia sido exibida anteriormente, tendo estreado no Brasil em 1948, e passado por montagens com diferentes elencos, incluindo Maria Della Costa e Olga Navarro.
A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) participou do processo, garantindo a conformidade dos direitos autorais e a legalidade da encenação.
2. Contexto e Temática da Peça
“A Prostituta Respeitosa” é um drama de dois atos, ambientado no sul dos Estados Unidos. A trama aborda temas como racismo, prostituição, corrupção e hipocrisia social, a partir da história de Lizzie, uma prostituta branca que é pressionada pela polícia e por figuras da elite local para mentir em um depoimento e acusar um homem negro inocente de tentativa de estupro. O caso ganha contornos políticos porque o verdadeiro agressor é um homem branco de uma família influente, e seu envolvimento no crime deve ser encoberto para proteger a “honra” da sociedade.
A peça, escrita em um momento de grande tensão social nos EUA, reflete as desigualdades raciais e a manipulação do sistema judiciário para perpetuar a injustiça, elementos que a tornaram um texto sensível para os censores brasileiros da época.
3. Avaliação da Censura e Restrições Impostas
O laudo censório destacou vários pontos considerados impróprios e determinou a classificação restrita para maiores de 18 anos. A justificativa incluiu os seguintes aspectos:
a) Temática Sensível e Crítica Social
Os censores identificaram a peça como um drama crítico que expõe de forma direta o racismo estrutural e a corrupção do sistema de justiça, utilizando um enredo que coloca a prostituta como testemunha de um crime manipulado pelos poderosos da cidade. A abordagem foi considerada problemática por sua ênfase na violência racial e na hipocrisia da classe dominante.
b) Representação da Prostituição e do Submundo Social
Embora a peça não contenha cenas explícitas, a presença de uma protagonista prostituta e sua interação com figuras da elite local foram motivos de preocupação para a censura. O parecer destaca que a trama poderia ser interpretada como uma normalização da prostituição e que o público poderia enxergar na personagem Lizzie uma figura de resistência, o que poderia gerar reflexões consideradas indesejadas pelo regime militar brasileiro.
c) Linguagem e Expressões
Os diálogos da peça incluem trechos considerados impróprios por seu tom agressivo e realista, além de referências diretas a relações sexuais e insultos raciais. Algumas falas foram destacadas pelos censores como excessivamente provocativas, especialmente nos momentos de confronto entre Lizzie e as autoridades.
d) Violência e Pressão Psicológica
A peça contém momentos de violência psicológica intensos, particularmente nas cenas em que a protagonista é coagida a mentir para proteger o agressor branco. A censura avaliou que essas passagens poderiam causar desconforto ao público, além de levantar questionamentos sobre o abuso de poder e a impunidade.
4. Decisão Final e Condições para Exibição
Após análise, a peça foi aprovada para exibição, mas com restrição para maiores de 18 anos. O documento especifica que a classificação foi justificada pelo teor dramático e pela abordagem de temas considerados sensíveis, como prostituição, racismo e corrupção.
A censura também monitorou os ensaios e apresentações, garantindo que o texto original não fosse modificado para intensificar as críticas ao sistema. A peça foi autorizada para circulação em diferentes estados, mas sua liberação era revisada regularmente.
5. Impacto da Censura e Considerações Finais
O caso de “A Prostituta Respeitosa” reflete a postura do regime militar brasileiro diante de obras que abordavam desigualdade social e corrupção institucional. Embora a peça tenha sido liberada, as restrições impostas e a supervisão constante evidenciam o controle sobre produções teatrais que poderiam ser interpretadas como subversivas.
A decisão de aprovar a peça com censura etária demonstra a tentativa de minimizar seu impacto, impedindo que públicos mais jovens fossem expostos a mensagens que pudessem estimular questionamentos críticos sobre a sociedade e o sistema de justiça.
No contexto do teatro brasileiro, “A Prostituta Respeitosa” se manteve como um texto relevante e provocador, sendo remontada em diferentes períodos e provocando debates sobre liberdade artística, censura e resistência cultural.
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