O BEIJO NO ASTALTO (1969)

“O Beijo no Asfalto”, uma das obras mais provocativas de Nelson Rodrigues, foi submetida ao processo de censura em 1969 e recebeu a classificação de imprópria para menores de 18 anos. A peça aborda temas polêmicos como a hipocrisia social, os tabus sobre a sexualidade e a manipulação institucional, desafiando diretamente os valores morais e políticos vigentes da época.

A trama de “O Beijo no Asfalto” se desenrola após um incidente trágico: um homem atropelado na rua faz, como último pedido, que Arandir, o protagonista, lhe dê um beijo. O gesto de empatia e humanidade é rapidamente distorcido, dando início a uma espiral de desconfiança, preconceito e acusações que desestruturam a vida de Arandir. Sua sexualidade é questionada, sua família entra em colapso, e a sociedade carioca da época é exposta como um ambiente moralista, preconceituoso e cruel.

A peça foi avaliada como uma crítica explícita às instituições sociais, abordando a homossexualidade e o julgamento público de forma direta. Para os censores, o texto “incitava questionamentos sobre normas de comportamento” e podia “estimular ideias contrárias à moral estabelecida”. O ato do beijo, um gesto simples de compaixão, é transformado em escândalo, revelando como os preconceitos sociais podem distorcer a realidade.

Os censores destacaram as cenas que retratam figuras de autoridade, como o repórter sensacionalista e o delegado corrupto, como manipuladoras e inescrupulosas. Essa representação era considerada perigosa, pois reforçava uma visão crítica das instituições, algo particularmente sensível em um período de rígido controle social e político.

Outro ponto sensível para a censura foi a desconstrução dos valores familiares tradicionais. A peça mostra como o preconceito afeta o relacionamento de Arandir com sua esposa e outros familiares, colocando em xeque a unidade familiar e revelando sua vulnerabilidade frente aos julgamentos sociais.

A censura também deu atenção ao uso de linguagem direta e confrontos intensos, especialmente nas cenas onde Arandir é acusado de homossexualidade. Esses diálogos, por sua força emocional, foram vistos como capazes de “influenciar o público a simpatizar com comportamentos desviantes”. As descrições detalhadas de conflitos familiares e institucionais foram igualmente consideradas perturbadoras.

Com base em sua análise, a censura decidiu aprovar a peça, mas impondo restrições rigorosas:

  • Classificação indicativa para maiores de 18 anos.
  • Monitoramento constante dos ensaios e apresentações públicas, para garantir que o texto não sofresse alterações que ampliassem as críticas às instituições ou aumentassem as tensões dramáticas.
  • Supervisão das adaptações, especialmente em relação às críticas sociais mais contundentes.

No parecer final, os censores reconheceram o valor artístico e dramático da peça, mas destacaram seu potencial de “provocar questionamentos indesejáveis” sobre as normas sociais e institucionais. A obra foi autorizada para exibição sob rígida supervisão, evidenciando o conflito entre a liberdade artística e as restrições impostas pelo regime.

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