PROMETEU ACORRENTADO (1968)

A peça “Prometeu Acorrentado”, de Ésquilo, foi submetida ao processo de censura em 1968, durante a ditadura militar no Brasil. Adaptada e traduzida para o português, a obra, com sua narrativa de resistência e questionamento do poder absoluto, tornou-se objeto de intensa análise por parte do Departamento de Polícia Federal (DPF) e do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP). A tragédia, com seu simbolismo e reflexões sobre tirania, liberdade e justiça, foi considerada potencialmente subversiva, levando os censores a impor condições rígidas para sua exibição.

“Prometeu Acorrentado” é uma das mais icônicas tragédias gregas, narrando o sacrifício de Prometeu, o titã que desafia Zeus ao roubar o fogo dos deuses e entregá-lo à humanidade. Como punição, Prometeu é acorrentado a um penhasco, condenado a sofrer eternamente. A peça explora o conflito entre o poder autoritário e o sacrifício em nome da compaixão e do progresso humano, levantando reflexões sobre justiça, opressão e o valor da rebeldia.

Os diálogos de Prometeu, que exaltam a liberdade e o conhecimento como ferramentas de emancipação humana, e a representação de Zeus como um governante autoritário e punitivo, geraram preocupação entre os censores, que temiam associações com o regime militar vigente. O fogo, como símbolo de iluminação e empoderamento, foi interpretado como uma metáfora perigosa, capaz de instigar pensamentos libertários.

Os censores identificaram três elementos centrais que motivaram a atenção especial ao texto:

  • Rebeldia e Justiça: A narrativa de Prometeu, que desafia o poder absoluto de Zeus, foi lida como uma crítica implícita a regimes autoritários, exaltando o sacrifício e a resistência como atos heroicos. Os diálogos que abordam a legitimidade da tirania e o preço da desobediência moral foram considerados potencialmente subversivos, com capacidade de incitar questionamentos ao governo militar.
  • Zeus como Figura de Tirania: A caracterização de Zeus como um líder que governa pelo medo e pela punição foi vista como uma alegoria que poderia ser associada ao regime militar. A censura destacou que essa representação de poder opressor poderia incentivar o público a refletir criticamente sobre a autoridade contemporânea.
  • Fogo como Símbolo de Emancipação: O ato de Prometeu ao roubar o fogo e entregá-lo à humanidade foi interpretado como uma metáfora para a libertação pelo conhecimento. A censura afirmou que essa mensagem desafiava o status quo, apresentando o progresso e a liberdade como dádivas subversivas que poderiam despertar ideais libertários.

Embora “Prometeu Acorrentado” tenha sido aprovada para exibição, os censores impuseram restrições rigorosas para limitar possíveis interpretações subversivas:

  • Monitoramento de Ensaios e Exibições: Os ensaios e apresentações foram condicionados a uma supervisão constante por parte dos censores, garantindo que o texto original fosse seguido sem alterações que reforçassem críticas ao regime. Qualquer adaptação ou variação no roteiro deveria ser previamente aprovada.
  • Classificação Etária: A peça foi classificada como imprópria para menores de 18 anos, justificando que sua complexidade temática e reflexões políticas não eram adequadas para o público jovem. Cartazes informativos deveriam alertar sobre a classificação e descrever a obra como baseada em temas mitológicos e dramáticos, para evitar interpretações políticas diretas.

O laudo final reconheceu a relevância cultural e literária de “Prometeu Acorrentado”, mas ressaltou que a obra poderia “promover reflexões perigosas” sobre as relações de poder. A peça foi liberada sob forte vigilância, com a condição de que suas exibições seguissem estritamente as normas da censura. A preocupação com temas como resistência, justiça e liberdade evidencia o receio do regime militar em relação a narrativas que pudessem incentivar o pensamento crítico ou contestar a ordem estabelecida.

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