O NAVIO NEGREIRO (1968)

A peça “O Navio Negreiro”, uma adaptação teatral do poema homônimo de Castro Alves, foi submetida para análise pelo Serviço de Censura com o objetivo de obter autorização para apresentações em Campinas/SP. O responsável pela adaptação, Benedito Irivaldo de Souza, introduziu novos elementos narrativos, incluindo um prólogo e um epílogo, que expandem o enredo original ao explorar conflitos pessoais e questões amorosas do protagonista. Essa abordagem gerou preocupação entre os censores, que avaliaram a necessidade de ajustes para garantir que o conteúdo estivesse alinhado ao propósito educacional e cultural da obra original.

No primeiro parecer, os censores destacaram que a inclusão do prólogo e do epílogo desviava parcialmente o foco do poema abolicionista de Castro Alves, trazendo uma dimensão mais pessoal ao personagem central. A figura chamada Miuly, com quem o protagonista estabelece uma relação amorosa, introduz elementos de emoções íntimas e conflitos individuais, o que foi considerado um distanciamento do tema principal da crítica à escravidão e ao sofrimento dos escravos em um navio negreiro. Essa adaptação, embora criativa, foi percebida como uma alteração que poderia prejudicar a mensagem original do poema, transformando a peça em uma obra mais independente.

Além disso, os censores observaram uma passagem específica em que o protagonista reflete sobre o pessimismo e o cinismo, com diálogos que poderiam ter um impacto negativo sobre o público infantojuvenil. A cena foi considerada inadequada, pois poderia influenciar a percepção de espectadores mais jovens, desviando o foco da crítica social e do valor histórico do poema. Como medida, foi recomendada a remoção ou ajuste dessa passagem, garantindo que o conteúdo fosse apropriado para a classificação indicativa proposta.

Apesar das ressalvas, o parecer reconheceu o valor cultural da peça e seu potencial de contribuir para a divulgação da obra literária de Castro Alves. Os censores indicaram que, com os devidos ajustes, a adaptação poderia ser aprovada para um público geral, desde que o conteúdo adicional não ofuscasse a mensagem abolicionista central do poema. Como condição para a liberação, foi solicitada uma revisão durante o ensaio geral, com o objetivo de garantir que as alterações sugeridas fossem implementadas e que os elementos adicionais não distorcessem o foco principal da crítica à escravidão.

No parecer final, a peça foi liberada com a classificação etária para maiores de 10 anos, acompanhada de recomendações para que a fidelidade ao texto original fosse mantida o máximo possível. Os censores reforçaram a importância de evitar a inclusão de elementos que se afastassem do tema abolicionista, priorizando o caráter educacional e cultural da obra. A decisão buscou equilibrar a liberdade criativa do adaptador com a preservação do conteúdo crítico e literário de Castro Alves, reconhecendo o impacto histórico e a relevância do poema.

Assim, o processo censorial de “O Navio Negreiro” evidencia a preocupação com adaptações literárias que, ao introduzirem novos elementos narrativos, poderiam desviar-se do propósito original ou influenciar de maneira inadequada o público jovem.

Tags:

No responses yet

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Latest Comments