A peça “O Balcão”, traduzida por Martim Gonçalves, foi submetida ao Serviço de Censura Federal e recebeu classificação indicativa para maiores de 18 anos, com exigência de cortes em diversas partes do texto. A obra, originalmente escrita por Jean Genet, foi considerada problemática pelas autoridades devido ao uso de linguagem explícita e à abordagem provocativa de temas como autoridade, moralidade e subversão do poder, que despertaram preocupações no contexto do regime militar brasileiro.
No primeiro parecer, os censores analisaram o texto e identificaram que, embora possuísse valor artístico, a linguagem utilizada era considerada vulgar e inapropriada para os padrões morais vigentes na época. Palavras como “puta”, “merda”, “foder” e outras expressões explícitas foram destacadas como elementos que violavam a moral pública defendida pelo governo. O tom provocativo do texto, aliado à crueza da linguagem, foi interpretado como ofensivo e impróprio, justificando a necessidade de substituições por termos mais leves e a remoção de trechos específicos.
Além da linguagem, a censura demonstrou preocupação com os temas centrais da peça, que exploram o poder, a hipocrisia moral e a subversão das estruturas sociais. O enredo, que se desenrola em um bordel alegórico onde figuras simbólicas representam diferentes papéis de autoridade, foi visto como um questionamento direto ao sistema político e moral da época. A peça expõe a fragilidade e o caráter teatral das instituições de poder, algo que os censores consideraram potencialmente subversivo em um contexto de repressão política.
O parecer também reconheceu a importância cultural de Jean Genet e a relevância da peça no cenário teatral internacional, mas argumentou que a fidelidade ao original não poderia servir de justificativa para a manutenção de uma linguagem tão direta e crua no contexto brasileiro. A censura buscava, assim, adaptar o texto às diretrizes morais vigentes, alegando que o público não poderia ter acesso irrestrito ao conteúdo completo da obra sem as devidas modificações.
Nos pareceres subsequentes, os censores apresentaram uma lista de cortes específicos, exigindo a remoção ou substituição de termos considerados indecentes e a suavização de cenas mais controversas. A avaliação final, após as alterações propostas, determinou a liberação condicionada da peça, desde que as instruções de censura fossem rigorosamente seguidas. A versão revisada deveria ser apresentada com a classificação indicativa para maiores de 18 anos, garantindo que o público jovem não tivesse acesso ao conteúdo considerado inadequado.
O processo censorial de “O Balcão” reflete a tentativa do regime militar de moderar conteúdos culturais que desafiavam as normas morais e políticas estabelecidas. A peça, ao expor com sarcasmo e intensidade as contradições do poder e da moralidade, confrontava diretamente os valores que o governo buscava promover. A imposição de cortes e ajustes foi uma tentativa de amenizar o impacto crítico da obra, preservando sua essência apenas dentro dos limites impostos pela censura.
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