ELES NÃO USAM BLACK-TIE (1968)

Em 1968, a peça “Eles Não Usam Black-Tie” foi submetida ao Serviço de Censura Federal para avaliação. Desde o primeiro parecer, a obra recebeu a classificação de imprópria para menores de 14 anos, devido ao conteúdo crítico e ao uso de linguagem considerada inadequada. Expressões presentes no texto, especialmente aquelas que mencionavam figuras políticas e sociais, foram identificadas como potencialmente problemáticas, refletindo preocupações do regime militar com temas que questionavam a autoridade e a estrutura de poder.

A censura destacou trechos específicos do texto que deveriam ser removidos, incluindo falas sobre corrupção, críticas ao governo e referências depreciativas ao valor de diplomas e figuras de autoridade. Entre as páginas 17, 24, 25, 32, 47, 50 e 51, estavam localizadas as passagens mais polêmicas, que foram marcadas para corte ou modificação. Esses diálogos foram interpretados como um possível incentivo à resistência e ao questionamento do sistema vigente, motivo pelo qual a censura decidiu suavizar o impacto do conteúdo antes de liberar a peça.

A partir de agosto de 1968, o processo foi acompanhado de perto pelos censores, que buscavam garantir que as exigências fossem cumpridas. Um dos pareceres reforçou a necessidade de que a peça fosse exibida somente com o script carimbado e revisado, assegurando que os trechos polêmicos tivessem sido efetivamente removidos ou adaptados. Essa condição indicava um controle rigoroso sobre o conteúdo, com fiscalização constante para impedir que a mensagem original, considerada subversiva, chegasse ao público sem alterações.

Em 1969, um certificado renovado foi emitido, autorizando a continuação das apresentações após a confirmação de que os cortes haviam sido implementados conforme solicitado. Apesar das modificações, a restrição etária para menores de 14 anos foi mantida, refletindo a preocupação da censura com a natureza crítica da peça, mesmo após as alterações. A exigência de acompanhamento do script modificado permaneceu como um instrumento de controle adicional.

O primeiro parecer sobre a peça destacou a força do texto de “Eles Não Usam Black-Tie”, que aborda os conflitos de uma família operária em meio a movimentos sindicais e a luta por melhores condições de vida. A obra foi reconhecida como uma representação realista da classe trabalhadora, expondo as dificuldades e tensões sociais vivenciadas em um contexto de opressão. Essa temática, contudo, foi considerada sensível e subversiva no contexto da ditadura militar, uma vez que questionava a estrutura de poder e promovia reflexões sobre justiça social e desigualdade.

O linguajar direto e popular utilizado na peça, condizente com a realidade dos personagens, foi outro ponto de tensão. Embora tenha sido elogiado por sua autenticidade, ele também foi visto como um risco, pois poderia facilitar a identificação do público com a mensagem crítica transmitida. Além disso, expressões consideradas ofensivas ou provocativas foram interpretadas como potenciais incentivos à resistência contra o regime, justificando as exigências de cortes e a restrição etária.

Por fim, a censura concluiu que a liberação da peça estaria condicionada à remoção ou adaptação dos trechos identificados como problemáticos, além da manutenção da classificação etária.

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